segunda-feira, 17 de outubro de 2016

MULHER, NEGRA MULHER – Gill Salves

MULHER, NEGRA MULHER – Gill Salves

Olá, me chamo Gilcilane e todos me conhecem por Gil.

Quando aos 11 anos comecei a dizer que não queria viver a depender de homem algum, numa conversa de almoço com meu pai, minha mãe e meu irmão, meu pai riu e disse: “...não é assim não minha filha, toda mulher nasceu para servir a casa, sua família e a seu marido e família quando se casar.” e a minha resposta foi – “...eu não pai, que absurdo, quero ser independente.” - ele mas uma vez riu e disse: “Você é uma criança, não precisa estudar tanto e muito menos ser independente, você tem tudo que precisa, casa, família, viagens, tem é que saber fazer os deveres de uma dona de casa, muito bem feito, que são, arrumar a casa, lavar, passar, cozinhar, para que no futuro possa cuidar de sua família.”. Naquele momento, olhei para minha mãe, e abaixei minha cabeça e continuei almoçando, as palavras não foram embora, ficavam martelando dia após dia, mas minha cabeça me dizia - deixa isso para lá, ele fala o que quer, você é quem sabe o que será e como será seu futuro.

O tempo foi passando e eu não deixei de continuar estudando...

Pronto, terminei meu antigo 2º grau, agora - Ensino Médio. Aos 19 anos, resolvi que tinha que trabalhar (era um martírio para mim, ter que pedir dinheiro ao meu pai para tudo), outro problema familiar depois de alguns anos, e ao entregar meu currículo em uma agência, fui chamada para entrevista e fui admitida na Empresa Protege (existente) e lá fui eu, em pouco tempo, fui transferida para o carro forte e ao estar executando meu trabalho em plena (av.) Rio Branco, meu tio - irmão do meu pai - me viu e a frase me dita foi: “Te espero em casa.” - gelei, mas já era, não tinha como continuar mentindo, dizendo que trabalhava de vendedora - só minha mãe sabia qual era o meu trabalho (Mãe é MÃE, fica com o coração na mão, mas apóia sempre), era só aguardar à tarde passar, à noite cair, para chegar em casa. Ao chegar em casa, lá estavam, meu pai, meu tio e minha mãe, sentei e passei por uma sabatina daquelas, com direito a pedir demissão, e já que queria tanto trabalhar, iria ficar no Quartel do Bombeiro, obedecendo ordem como CASTIGO. E foi o que aconteceu. Mas neste meio tempo, eu já havia passado no vestibular e estava cursando a faculdade de Letras na UNISUAM, pagava a faculdade com o meu trabalho, até porque, meu pai achava um absurdo ter uma mulher da família na faculdade - é, isso mesmo, eu fui a 1ª mulher da família, tanto do meu pai e da minha mãe, a estar cursando o Ensino Superior, e era dita a metida, pelos meu próprios parentes (tios, tias, primos, primas), mas eu me sentia bem e a pergunta de alguns era sempre – “...o que vc vai ganhar com isso?” e eu dizia: “...conhecimento, me encontrar, descobrir o meu eu.”. E quando fui fazer a Pós-graduação, aí que os comentários continuaram – “...nossa, do jeito que vai, ela não formará família, só pensa em dar aula, assistir aulas, seminários, cursos e fazer o que é correto de nossa família, nada, parece homem...” e por algum tempo, alguns parentes me excluíam, por não ser feminina.

Mas eu segui em frente, sempre acreditando nos meus sonhos, sempre pensando no futuro, acreditando que mesmo, mulher, negra, de família machista, eu poderia e posso ser o que eu quiser, com meus pés no chão, sem precisar passar por cima de pessoa alguma e seguindo forte na minha fé.

E a vida segue, pois mesmo nos dias de hoje, ainda é muito difícil, mostrarmos aos nossos jovens negros, que podemos SER. Porque a mídia, só mostra o branco bem sucedido e mostrar ao jovem que a cor da sua pele ACHOCOLATADA/NEGRA, é linnnnda, trata-se de uma guerra diária, mas nada é impossível, de grão em grão, eu ei de fazer um pirão e lá na frente me orgulhar de alguns, se espelharem nos nossos mestres, autores, atrizes, médicos negros e galgar um futuro tão brilhante quanto o de seus ídolos negros. 


Essa sou eu - Gill Salves, mulher, negra, hoje - MÃE.

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